14.6.11

(Conto): PRAIA DOS ANJOS

Todos eles estão brincando na areia neste dia. Uma areia fina, branca, que corre entre os dedos do pé. As traves são chinelos enterrados na praia. O mar calmo e gelado como sempre da praia ao oeste da cidade. Manhã. Nove horas. Os garotos jogam bola.

Ao longe no mar, uma embarcação, média, feita para pescar. Levada pela correnteza. Aproximando vagarosamente. Sem pressa. Um dos meninos a vê. Acha estranho. Não é por ali que os barcos voltam. Não neste horário. Apenas um. Não reconhecem o barco. Discutem de quem poderia ser. Poderia ser do pai de um dos oito jovens. Não é. Nenhum deles nunca viu este barco. Nenhuma conclusão. 

Está mais próximo agora. Silencioso.
Marquinhos, o adolescente mais afoito corre para dentro da água.

- Volta, moleque! - grita seu melhor amigo.
- Está à deriva! - ele responde.

Rafael, o melhor nadador entre eles pula na água e sai nadando. Água gelada. O barco agora não está muito longe, cem metros da costa. Rafael dá suas braçadas rapidamente. Chega perto do barco azul e sujo. Fica a alguns metros dele. Ele tem um barulho estranho, um ranger maldoso e um ar  não convidativo. Rafael exita. Marquinhos sobe. 

Edgar e Pulga nadam até o barco também, chegam relativamente rápido. Rafael não consegue sair do lugar.

- O que foi, Rafa?
- Sei lá.
- Tem alguém aí? - grita Edgar, com medo da resposta.

Mas não se escuta nenhuma. Eles nadam até  estibordo do barco, há uma escada. Edgar, olha para os amigos, coloca sua mão na pequena escada e desce, com dificuldade.

- Edgar?
- Tá vendo alguma coisa, Edgar?
- AAAAAA! - grita Edgar, saltando do barco e nadando o mais rápido possível à praia.

No susto, Pulga vai atrás. Rafael que também está com medo, com a adrenalina correndo forte em suas veias, tem um momento de clareza e espera algum tipo de reação. Ele anda na frente, Rafa e Pulga atrás. Descem as escadas para o porão do barco. E lá encontram, pelo menos, 43 crianças mortas pelo chão. Brancas, negras, orientais. Nenhum sangue, nenhum cheiro. Todas com os olhos abertos e muito magras. 

Pulga é o primeiro a correr dos três, na pressa ele fecha a porta sem querer e cai na água, trancando seus dois amigos que ainda estão lá dentro. Rafa e Marquinhos estão trancados. Desesperados. Batem para sair até seus ombros doerem. Continuam ali, ofegantes e assustados.

- E agora, Marquinhos?
- Será que quem matou esses aí tá aqui dentro?


Na praia. Pulga chega quase sem ar. Todos os amigos já sabem das crianças mortas.

- Você viu alguma coisa?
- Nada – responde Pulga.
- Cadê os outros?
- Estavam atrás de mim – responde Pulga.

O barco continua ali, à deriva.

Os seis amigos estão assustados, principalmente Pulga e Edgar que viram os corpos. Com mais medo ainda pelos amigos. Nenhum deles nunca tinham visto pessoas mortas antes, ainda mais crianças e naquela quantidade.

- O que a gente faz?
- Aconteceu alguma coisa com o Rafa e o Marquinhos!
- E se quem matou aquelas crianças pegou eles?
- Polícia! - grita Pulga e sai correndo atrás de uma.
- Nós temos que ir lá e salvar nossos amigos.
- E se pegarem a gente também?


Edgar enche o peito e entra na água. Os outros quatro amigos também. Nadam cuidadosamente até o barco que vai se afastando da praia por causa da corrente marítima. Eles sobem no barco. Buscam pedaços de ferro e madeira que se transformam em espadas em suas mentes. Abrem a aporta do porão. Rafa e Marquinhos saltam para fora.

- Tem alguém lá dentro?
- Só os moleques mortos – responde Rafa cansado.

O barco vai afastando cada vez mais rápido da praia.

- Será que a gente consegue nadar até a areia?
- Se a gente ficar aqui no barco aí que nós morremos.

Os sete amigos pulam na água. Um ajudando o outro. Arriscando, engolindo água, caibras, dois deles quase se afogam. Chegam na areia. Cansados e vivos.

A polícia costeira reboca o barco até a praia. Levam os corpos para o necrotério da cidade.  O prefeito consegue esconder o caso dos jornais locais. Continua tudo pacato na pequena cidade litorânea. 

Os oito amigos e o resto da cidade de Arraial do Cabo se perguntam como aquelas crianças morreram, nenhuma resposta nunca virá. Talvez a curiosidade. 

Naquela praia, pra ser lembrado aquele dia, ela recebe o nome de Praia dos Anjos.
   




(Gilberto Caetano)

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