30.3.11

FRAME: Matiz, 2002

Este foi o primeiro curta onde transportei algumas idéias do papel finalmente para imagens em Mini-DV.

Vídeo realizado por Thais Scabio, Joseane Alfer, Fabiana Leite da Silva e eu através da Oficina Kinoforum, na Casa do Hip-Hop em Diadema. Cada um de nós escrevemos um argumento diferente e reunimos tudo em um único roteiro.

O meu argumento era sobre um cara que não sabe ler dentro de uma biblioteca e é observado por um ventilador. Com subjetivas do aparelho. Quando falei disto pela primeira vez entre os outros alunos, as pessoas olhavam pra mim achando loucura tratar um ventilador como personagem. Gostei mais ainda da idéia.

Eu já havia trabalhado em dois curtas como Dir. de Fotografia e Câmera (Aborto e Cinema Dilacerado) mas este teve um gosto especial.

Matiz foi editado e finalizado no dia em que o Brasil foi penta-campeão na Copa de 2002.

Assista:


Realização:
THAIS SCABIO, JOSEANE ALFER, FABIANA LEITE DA SILVA e GILBERTO CAETANO.

Atores:
BEL COELHO e GINALDO GALDINO

22.3.11

O ESQUEMA GERAL DA VIDA #09


O carro popular de Curiati corta as ruas da cidade de São Paulo em uma velocidade razoável numa noite de Quinta-feira. Curiati dirige, ao seu lado no banco do carona, Cintia, no banco de trás, Gonzales e Talula.  

CINTIA: Esses filmes de classe-média brasileiros são muito chatos. Por isso que os clíticos gostam dos filmes de classe-média argentinos. É inveja. A classe-média besta que faz filme tipo As Melhores Coisas do Mundo, quem quer assistir um menino besta como aquele, sem graça. Atrás de uma metidinha.
CURIATI: E o bullying? O filme é bacaninha vai. Você gosta da Laís Bodanzky.
CINTIA: Eu gosto mas qual é? Eu sofri coisa pior na escola, vocês dois também.
GONZALES: Eu era da turma que zoava os manés.
TALULA: Era nada. Você ficava na “zona nada”. Não zoava, nem era zoado. Parecia um fantasma até conhecer a gente.
CINTIA: Busca-pé tinha uma vida muito mais emocionante.
CURIATI: Orrah.
CINTIA: É Proibido Fuma parece que foi financiado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo! Não fume senão você se fode. Eu fumo se eu quiser, cacete!
GONZALES: Ô Cintia, você não fuma.
CURIATI: Não entendi porque você tá com raiva. Vai ver você não é o público alvo, Cintia.
CINTIA: Graça a Deus. É que esses filme sobre mulheres sempre mostram elas correndo atrás de homens, parece que a vida de uma mulher com trinta ou quarenta anos, sozinha, é correr atrás do homem perfeito e da bolsa da moda e mais barata. Parece a porra de um conto de fadas que nós temos que viver! Eu não vivo correndo atrás de homem.
TALULA: Por que você não fica com o Curiati?
GONZALES: Ih.
TALULA: Que foi?
CURIATI: Nós já... tentamos... e não deu muito... certo.

Curiati olha rapidamente para Cintia e volta a olha para frente.
Um silêncio constrangedor.

TALULA: Falta muito pra chegar na casa da Pernele, Amor?
GONZALES: Mais ou menos.
TALULA: A festa é muito longe da casa dela? Peraí. Ela cabe aqui sentada com a gente aqui atrás no carro? Porque esse carro é meio apertado. Ô Curiati, tá na hora de você comprar um carro maior, hein?

Curiati olha pelo retrovisor direto nos olhos da esposa de Gonzales.

CURIATI: Como eu iria adivinhar que vocês iriam engordar tanto?
CINTIA: Oooou. Essa foi boa. 
CURIATI: É aqui.

O carro pára, Curiati buzina três vezes. E esperam.

TALULA: Eu não tô muito gorda. Eu tô, Gonzales?
GONZALES: Me tira dessa.
TALULA: Então eu estou gorda.
GONZALES: Obrigado, Curiati, ganhei uma discussão grátis para a noite toda.
CURIATI: De nada. Cadê a Pernele?

Ele buzina novamente.

TALULA: Pensem assim, eu sou um personagem num roteiro de um filme. Qual é a minha descrição?
GONZALES: Linda. Desde que eu te conheci na escola.
CINTIA: Tá bom, então. A verdade. Descrição do personagem: Talula. Trinta e poucos anos, branca, baixa, gordinha, cabelos pretos, no ombro, se veste muito bem, tem dois filhos, trabalha em uma corretora de imóveis, tem uma personalidade forte e sempre fala o que não deve na hora errada, tenta ser tipo o Supersincero e no final ninguém gosta dela. 
TALULA: Ok. Descrição de personagem: Cintia. Trinta e poucos anos, solteira, quase encalhada, estatura normal, parda...
CINTIA: Eu não sou parda. Não sou envelope. Eu sou negra.
TALULA: Você é parda sim. Tem a pele clara. Poderia chamar de morena mas morena sou eu, branca de cabelo preto. Continuando. Pele parda, não tão bonita, mas com um belo corpo, tipo gostosa, não tão inteligente quanto pensa que é, está na média e gosta muito de filmes nacionais, novelas e seriados, música tipo MPB.

Pernele aparece no portão, sai correndo e entra no carro de Curiati, sentando-se ao lado de Talula.

PERNELE: Oi pra todo mundo. Eu demorei porque tive problemas com a chapinha. Sobre o que vocês estão falando?

Curiati arranca com o carro para a festa.

CURIATI: Uma brincadeira de descrever a gente como personagens de roteiro.
TALULA: Descrição de personagem: Curiati. Negro, alto, trinta e poucos anos, sempre se veste com roupas bacanas, é inteligente, tem um trabalho bacana de analista de sistemas, porque o melhor amigo dele que também é analista de sistemas ofereceu numa hora que ele estava desesperado, gosta de filmes blockbusters norte-americanos, nerd, HQ, RPG, escuta o Jovem Nerd. Ah, e péssimo em conquistar mulheres.
PERNELE: Kkkkk. Isso é mesmo.
TALULA: Descrição de personagem: Pernele. Branca, ruiva tingida, magrela, meio estranha, meio burra...
CURIATI: Meia mussarela, meia calabresa.

Curiati ri sozinho.

PERNELE: Agora eu sei porque você não traz essa mala quando a gente se encontra, Gonzales.
GONZALES: Descrição de personagem: Gonzales. Cara baixinho, gordinho, barbudinho, usa sempre camisetas de bandas de rock tipo Rage Against the Machine. Gosta de filmes europeus, metido a socialista mas analista de sistemas. Quem disse que analista de sistemas não pode ser um socialista fajuto. Trinta e poucos anos como todos neste carro, todos os cinco amigos que se conhecem desde a sétima série, que moram num bairro classe C. Ele é casado com uma mulher de temperamento difícil, mas incrível, que a ama, eles tem dois filhos pequenos, espertos.
TALULA: Desculpa mas eu não menti.
PERNELE: Já te descreveram, Talula?
TALULA: Fui a primeira. 
PERNELE: Por que a gente não fala de algo que não seja meio nerd por um tempo. Tipo Nietzsche. O que vocês acham sobre o Super-homem?
CURIATI: Um idiota. Frouxo.
CINTIA: Ela não está falando deste Super-homem.
CURIATI: Eu sei. Chegamos.  

Curiati estaciona o carro. Descem do carro e caminham para a festa em um sobrado. Curiati e Pernele estão mais atrás.

CURIATI: Desde quando você lê Nietzsche?
PERNELE: Nunca. É que aquela vaca me chamou de meio burra e esse cara foi a coisa mais inteligente que passou pela minha cabeça.
CURIATI: E se alguém continuasse a conversa sobre ele?
PERNELE: Não pensei nisso.

Eles entram na festa.   



15.3.11

Veja também:

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