29.5.09

(Conto): FRANGO FRITO

com alguns palpites de Thais S.
           
         Dentro de uma casa comum, pequena e frágil estão dois namorados: GUSTAVO, escrevendo no computador na sala de estar, e MARINA, preparando o almoço na cozinha. Um casal de 24 anos cada, apaixonados. Ela vai para a sala de estar iniciar um diálogo corriqueiro.
            - O que você está fazendo?
            - Escrevendo diálogos – ele responde sem lhe dar muita atenção.
            - Pra quê?
            - É um roteiro e para se fazer um roteiro precisa de diálogos.
            - Não necessariamente se for um filme mudo. 
            - Mesmo assim tem a placas – Gustavo fala ainda concentrado no monitor. 
            - Mas são poucas.
          - O quê você estava fazendo, querida?
- Fritando frango para o almoço.
            - Então por que você não continua?
Silêncio. Frango demora muito para fritar no óleo. Marina fica impaciente. Ele tenta se concentrar para o roteiro. Ela grita da cozinha:
            - Sobre o quê é o diálogo?
            - Sobre um casal conversando – ele pára de escrever.
            - Sobre o quê?
            - Sobre um casal conversando... cacete...
            - Eu ouvi o cacete, viu? – Marina fala voltando para a sala e continua – Onde é a conversa? 
            - Em uma casa. Comum, pequena e frágil.
            - Sobre o quê esse casal conversa?
            - Sobre como se frita um frango.
            - Que ridículo!! – Marina diz rindo.
Gustavo fica levemente irritado. Pára de escrever, encara a parceira querendo enforcá-la.
            - Então eles conversam sobre o quê, Marina?
            - Sobre filmes. Ela fala sobre os filmes que gosta e ele dos filmes que ele gosta e discutem como gostam de filmes ridículos.
            - Vai fritar o frango, querida.
            - Esse seu roteiro de curta-metragem... é um curta ou um longa?
            - Curta.
            - Este é o roteiro do pior curta-metragem que você já escreveu.
            - Senta aqui e escreve pra mim, Marina!
            - Escreve sobre as Mensagens Subliminares dos filmes da Disney.
            - Quem se importa com isso?
            - Quem se importa com um casal falando sobre como se frita um frango? Qual é o título?
            - É provisório.
            - Qual é o título, Gustavo?
            - “frango frito”.
            - O quê? Fala alto.
            - “Frango Frito”. 
Ela cai em uma gargalhada gostosa por quase um minuto. 
            - É... isso tá uma merda.
            - É, Gustavo. Tá uma merda. 
            - É.
Um permanece olhando para o rosto do outro. Gustavo está estático. Definitivamente “Frango Frito” não é uma boa história. 
Marina insiste:
            - Escreve um roteiro sobre um casal que está em uma casa, como a minha, e... é um suspense. Tem um ladrão na casa e o casal fica caçando esse ladrão e o ladrão fica atrás deles também. O quê você acha?
            - Eu vou deixar de escrever roteiros.
            - Por quê? Minha idéia é boa. Além do que, essa é a única merda que você sabe fazer.
            - Isso magoa, amor.
            - Minha idéia é boa. Escreve. Mata a namorada no chuveiro como em “Psicose”.
            - Talvez deveria matar com um pedaço de osso como em “2001”.
            - Não! Como em “Psicose”.
            - Isso não tem nada de original!
            - Nada do quê você escreve é original mesmo.
            - É a segunda vez que você me magoa, Marina. Eu não quero mais você. Você não me ajuda em nada!
            - Foda-se – ela grita. 
            - Foda-se?
            - É. Foda-se. Você, teu roteiro, tua falta de criatividade e tua mãe.
Ele levanta da cadeira rapidamente agindo como um verdadeiro macho.
            - Minha mãe não!!
            - Eu odeio a tua mãe.
            - Como odeia a minha mãe?
            - Tu é surdo? Idiota? Fica me repetindo! QUE CARA CHATO!!!
            - E o que você odeia na minha mãe?
            - Ela não te abortou.
Silêncio após a piadinha sem graça.
Mais silêncio.
Casal sem assunto.
Nem se olham.
Isso está chato.
            - Tá a fim de transar? – Marina quase implora. 
            - Só se você me chupar – Gustavo diz com um sorriso safado.
            - Me chupa primeiro.
            - Fazemos um 69... Não. Isso me dá náuseas – ele diz.
            - Náuseas? Minha xoxota te deixa com náuseas?!? 
            - Sim e não. Eu fico com o meu nariz na tua bunda nesta posição e eu não gosto disso.
PLAFT. Tapa no rosto dele.
            - Sai da minha casa – ela grita.
Gustavo abaixa a cabeça, sai de perto dela. Põe as mãos no bolso. Fica parado na porta esperando que ela o chame ou se arrependa, tenha qualquer reação positiva.
            - O frango frito tá pronto, Marina?
Ela vai para a cozinha, mexe um pouco os pedaços com a espumadeira.  
            - Tá pronto.
            - Posso comer antes de ir?
            - Pode.
Ela coloca os pedaços em uma grande tigela de porcelana, sobre guardanapos para absorver o óleo. Depois de esfriar um pouco Gustavo pega um pequeno pedaço. O come.
            - Esse frango me lembra você – ele diz.
            - Como? Gostosa?
            - Sem graça. Sem gosto. Mas bom de comer. Não tenho muitas opções de comida.
BBBAAAAMMMMM. Ela atira na perna dele.
            - AAAAAARRGH!!! DA ONDE VOCÊ TIROU ESSA ARMA!!
            - Do rabo do frango.
BAM. Atira no saco dele.
            - AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRGH!!! DOEU!!!!!
BAM. Atira no pinto dele.
            - PORRA!!!! QUE MIRA DO CARALHO!!!!!
BAM. Ela atira na cabeça dele.
            - Morreu, canalha?
            - ...Q-Quase...
Bam. Bam. E Bam. Acabam as balas.
            - E AGORA? MORREU???
            - ...n-não...
Marina furiosa pega um Facão – bem afiado por sinal – e o retalha em 450 pedaços.
            - MORREU?????
A mão dele decepado faz um gesto de não e ainda mostra o dedo anular.
Ela pega os 450 pedaços do que era Gustavo, os coloca em um grande caldeirão, joga o óleo que usou no frango e mais todo o óleo que tinha em casa e o frita.
A campainha toca. Ela atende. É uma de suas amigas. Jaqueline. Se cumprimentam beijando no rosto e se abraçando. Uma amizade carinhosa como se nota. 
            - Desculpa chegar sem avisar, Marina...
            - Que nada! Você pode me ajudara arrumar a cozinha antes do almoço.
            - Sem problema. Cadê o seu namorado?
            - Sumiu. 
- Legal. Humm. Que cheiro bom é esse?
            - Frango frito – Marina fala orgulhosa de seus dotes culinários. 


(Gilberto Caetano)

27.5.09

* * *


- Sabe por que eu nunca tive filho?
- Não.
- Medo de que ele nascesse com a minha cara.
- Tem que torcer pra ele ser bonitinho enquanto criança. Você era bonitinho?
- Era.
- Criança feia, quem tem vergonha são os pais, depois que cresce o problema é dele.


15.5.09

O ESQUEMA GERAL DA VIDA #05

HU-HUM

Eles chegam ao Mutreta Comidas Típicas, só para mudar um pouco de restaurante.

GARÇONETE: Pois não?
CURIATI: Uma Vaca Atolada para três.
A garçonete anota o pedido e sai.
CINTIA: Sai do cinema, em silêncio, como eu sempre faço. Aí no banheiro tinha uma moça que estava na mesma exibição que eu. Ela disse: Você sente muito mais o livro. A outra mulher disse: É muito mais pesado.
CURIATI: O Fernando Meirelles pegou leve, é?
CINTIA: É.
GONZALO: Não era pra ele fazer esse antes de “Cidade de Deus”?
CINTIA: Ele disse que era. Talvez antes ele teria feito mais denso ainda.
GONZALO: Mas o que você achou do filme?
CINTIA: Pra mim, sei lá, parece que o filme poderia ser melhor. Eu não me senti incomodada, nem nas cenas de estupro. Nem quando os cachorros comem o cadáver. Ele poderia fazer um filmaço. Parece que teve muito respeito ao material original.
GONZALO: Eu assisti Sicko.
CINTIA: E aí?
GONZALO: É bom. Às vezes parece meio forçado mas o Michael Moore é um dos únicos caras que cutucam os norte-americanos e isso já vale. Os “heróis” do 11 de Setembro indo para Cuba para se tratar é foda. E as comparações?
CINTIA: Sabe que eu achava? Que como Michael Moore compara quase sempre o Estados Unidos com o Canadá e é na verdade um plano da direita para que nós, possíveis imigrantes vá para o Canadá e não pra lá.
Eles riem. Menos Curiati que apenas esbouça um sorrisinho tímido.
CINTIA: Tá quieto hoje, Curiati.
CURIATI: É que... nada.
CINTIA: O que aconteceu?
CURIATI: Eu estou enjoado de cinema.
CINTIA: Hum.
CURIATI: Talvez eu comece a assistir alguma série.
GONZALO: Twin Peaks.
CURIATI: Não aguento o Lynch.
CINTIA: The L World? Dexter? House?
CURIATI: Hu-hum.
CINTIA: Você está um saco hoje.
Curiati pensa um pouco e levanta. Vai embora sem olhar para os amigos. Cinta e Gonzalo se olham.
CINTIA: Ué?
GONZALO: Ele tá assim porque tomou um fora da Pernele.
CINTIA: Aquela mina chata que trabalha junto com ele?
GONZALO: Hu-hum. Ô, garçonete! A nossa Vaca Atolada é só pra dois agora, tá?
Cintia fica quieta por um tempo, sentindo um pouco de ciúmes e talvez feliz por Curiati ter tomado um pé-na-bunda.

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