6.8.12

(Conto): JÚLIA ESTÁ NUA


Este é o melhor dia. JÚLIA DOS SANTOS anda pelos corredores da faculdade totalmente liberta do convencional. Ela jogou a casinha de boneca que guardava desde criança no lixo e depois perdeu o hímen. A faculdade nunca foi acolhedora. Num surto ela corre nua entre as salas. Entre os prédios. Entre as pessoas. É fotografada, filmada, xingada.       

Liberta, é presa. Atentado ao pudor. Foge. Pinta o cabelo, cor loira belzebu. Escondida nos becos continua nua. É o seu desejo.

“Não sou puta”, disse para aqueles caras, mas tentaram estupra-la. Ela arranha o rosto deles, estrangula um. É presa novamente. O papa a excomunga. Ela não é católica, então, foda-se.

No manicômio, suas veias são inundadas por Risperidona, Depakene, Haloperidol e Amplictil. No outro dia Fenergan. Uma das enfermeiras, ANA, vê por meses Júlia ser torturada com eletrochoques. Quando a leva para uma das salas para a realização de uma lobotomia, ela desvia o olhar dos outros e foge levando Júlia para o sítio mais afastado, quase na borda do mundo.

Deitada sobre o gramado, Júlia vê os anéis de Saturno, respira a brisa do sul e faz uma oração ao Deus da Grama para que continue verde e macio. Para que ninguém roube o seu sonho. Tudo é tão bonito, como por anos ela não via, tudo tão simples, tudo girando rápido.

Ali deitada na grama, o mato cresce por todo o seu corpo, cobrindo o nu. Júlia não gosta, levanta e anda pelo mundo, sendo perseguida por conservadores e tarados, corre pelas praias de areia grossa, pelas florestas devastadas, pelo lado escuro e claro da Lua e se esconde atrás de umas das estrelas mais brilhantes.

A sombra de seu belo corpo é projetada para parte do Universo deixando alguns deuses enfurecidos, querendo cobrir a nudez de Júlia com um manto de fogo. As deusas invejam e protegem. Uma guerra entre todos os deuses mitológicos conhecidos.

Morte e destruição.

O caos reina.

Júlia flutua entre os destroços do universo. Ainda nua. Como sempre batalhou. 



(Gilberto Caetano)



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