Este é o melhor dia. JÚLIA DOS SANTOS
anda pelos corredores da faculdade totalmente liberta do convencional. Ela
jogou a casinha de boneca que guardava desde criança no lixo e depois perdeu o
hímen. A faculdade nunca foi acolhedora. Num surto ela corre nua entre as
salas. Entre os prédios. Entre as pessoas. É fotografada, filmada, xingada.
Liberta, é presa. Atentado ao pudor.
Foge. Pinta o cabelo, cor loira belzebu. Escondida nos becos continua nua. É o
seu desejo.
“Não sou puta”, disse para aqueles
caras, mas tentaram estupra-la. Ela arranha o rosto deles, estrangula um. É
presa novamente. O papa a excomunga. Ela não é católica, então, foda-se.
No manicômio, suas veias são inundadas
por Risperidona, Depakene, Haloperidol e Amplictil. No outro dia Fenergan. Uma
das enfermeiras, ANA, vê por meses Júlia ser torturada com eletrochoques. Quando
a leva para uma das salas para a realização de uma lobotomia, ela desvia o
olhar dos outros e foge levando Júlia para o sítio mais afastado, quase na borda
do mundo.
Deitada sobre o gramado, Júlia vê os
anéis de Saturno, respira a brisa do sul e faz uma oração ao Deus da Grama para
que continue verde e macio. Para que ninguém roube o seu sonho. Tudo é tão bonito,
como por anos ela não via, tudo tão simples, tudo girando rápido.
Ali deitada na grama, o mato cresce por
todo o seu corpo, cobrindo o nu. Júlia não gosta, levanta e anda pelo mundo,
sendo perseguida por conservadores e tarados, corre pelas praias de areia
grossa, pelas florestas devastadas, pelo lado escuro e claro da Lua e se
esconde atrás de umas das estrelas mais brilhantes.
A sombra de seu belo corpo é projetada
para parte do Universo deixando alguns deuses enfurecidos, querendo cobrir a
nudez de Júlia com um manto de fogo. As deusas invejam e protegem. Uma guerra
entre todos os deuses mitológicos conhecidos.
Morte e destruição.
O caos reina.
Júlia flutua entre os destroços do universo.
Ainda nua. Como sempre batalhou.
(Gilberto Caetano)
...
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