16.11.10

(Conto): A MENTE É UM LUGAR ESTRANHO

Como seria se eu quisesse me matar? Será que encontraria um método que não doesse tanto? Porque uma morte sem dor é o que todo mundo quer. Sem sofrimento. Sem piedade. Mas qual seria a melhor? Não uma estúpida para aparecer na Internet em listas do tipo: “As 10 Mortes Mais Ridículas”. As pessoas ainda duvidariam que alguém possa morrer desse ou daquele jeito estúpido. E o que é uma morte ridícula? A do homem que trabalhava em um circo e enquanto limpava o chão atrás de um elefante, o paquiderme cagou em cima de sua cabeça e morreu asfixiado pela merda ou a mulher que andava pela calçada e caiu um jarro de flores em sua cabeça de uma altura de 16 andares ou a criança que brincava no quintal e... Não posso ser um suicida qualquer. Tenho que ser um suicida com estilo.

Eu não posso me matar assim sem nenhuma pesquisa. E o que os meus parentes iriam pensar? Sentiriam toda a culpa por não terem me amado e blá e blá. Humm... eles que se danem... Preciso fazer uma pesquisa, não em livros ou na Internet – mesmo porque não confio em sua informações geradas de boatos –, preciso de uma fonte fidedigna. Qual? Um médico? Posso entrevistá-lo com a desculpa de que estou escrevendo um livro. Não, palavras são só palavras, por mais que alguém tenha uma boa percepção e imaginação sobre o que é a morte, nada se compara ao que é real... real? Isso! Real!

Vou seqüestrar uma pessoa, talvez duas. Amarrá-las e aplicar um tipo de morte no qual elas não sofram e aí sim faço o mesmo em mim. Genial, garoto.

Tudo tem que estar bem planejado. Enquadrado na previsibilidade. Seqüestro um homem ou uma mulher? Velho ou criança? Onde eu iria matá-las? Não na minha casa. Tenho que alugar um galpão ou algo parecido afastado do centro da cidade. Preciso de um carro grande. Alguma substância que as façam dormir. Quem seriam essas pessoas? Ando pela rua para ter idéias. Quem sabe se fosse um desses “Azulzinhos” que distribuem multas nas ruas nos carros estacionados, muita gente iria me agradecer.

Quem sabe pessoas que conheço? Se forem pessoas conhecidas eu teria que ir ao enterro fingindo estar emocionado, simular choro... horrível. Não sou um bom ator. Isso está ficando complicado demais. É prejuízo matar uma pessoa:

a) Locação (Casa, Apartamento ou outro lugar qualquer);
b) Carro + Gasolina;
c) Remédios;
d) Corda;
e) Aparelhos diversos para matar.

A + b + c + d + e = a um dinheiro que eu não tenho. Devo ter menos de 200 reais no banco, não cobre uma morte. CLARO!! Posso matar um Parente!! Vou na casa dele – corta o gasto de locação e gasolina – e mato com o utensílio que tiver na cozinha. Fantástico! Também pode ser uma ex-namorada... Pensando bem eu só tenho três ex-namoradas e elas são legais. Besteira. Mas até que uma ex-namorada deve ser a melhor opção, uma que não guarde nenhuma mágoa de mim. Que não tenha nenhum ressentimento. Além do mais, é mais fácil dominar uma delas do que um homem. Não a Joyce. Ela sempre foi mais forte do que eu. Já chegou até a me bater.

Qual delas eu mato? Qual delas... E o mais importante, como? Deus! Eu preciso de uma luz!! Caminhar faz bem. Ando por uma grande passarela por cima de uma estrada que leva ao litoral. Paro, penso mais, isso está me esgotando. Não como há alguns dias pensando nas varias formas de assassinar uma pessoa, dizem que até se enfiar uma agulha no umbigo ela pode morrer. Asfixia, atear fogo, injeção letal. Mas qual não sente dor? Não sente desespero?

Estou sozinho nesta passarela. Vem em minha direção uma senhora idosa. Deve ter uns 70 anos ou mais. Coitada...

He, he, he...

Não penso mais de três vezes até criar a coragem necessária de empurrar a velha da passarela. A altura deve ser de 20 ou 25 metros. Se por um milagre divino ela sobreviver, algum dos vários carros que passam lá em baixo irá atropela-la e não há escapatória. Se ela sobreviver a queda estará inconsciente ao ser atropelada e então não vai sentir nada quando morrer. É só um teste, garoto, vá em frente!

A velha parece pesada. Ninguém por perto. É um sinal. Certo... certo...

Pego a velha. Ela é mais forte e pesada do que aparentava. Luta bem, arranha o meu rosto, chuta o meu saco... velha filha-da-puta difícil de jogar. Ela agarra o meu pescoço. A pego e aperto uma das pernas e a bunda, a levanto contra o parapeito. Ela grita até ficar rouca, sua dentadura cai no asfalto e quebra em zilões de pedaço. Ela com certeza vai morrer!! Legal. Força, cara! Força, cara!

A velha implora e vejo as lágrimas petrificadas de medo em seus olhos ficarem cada vez mais longe de mim até o chão da auto-estrada. Um carro consegue desviar, um caminhão não. A velha fica presa por baixo do caminhão que a arrasta por 200 metros até parar. Com certeza a senhora morreu na queda e nem sei seu nome.

Mas e um jovem como eu? Humm... Talvez também morra na queda.

Mesmo que eu quisesse apertar o botão Rew do controle-remoto, o processo de pesquisa já começou. Há mais duas ou três que quero fazer. O Sol quente frita o meu cérebro já cansado.



(Gilberto Caetano)

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