- Sua vida agora é uma merda...
mas quem sabe?
- Obrigado – responde Pedro ao
pequenino Mosquito Vermelho que pousou em seu ombro.
Ao mesmo tempo que Pedro –
descendente de Samurais enterrados no jardim nos fundos do sítio – escuta o
Mosquito, sua Mãe também fala enquanto faz a comida apressadamente para sair
para trabalhar nas ruas. Ele entende o que sua mãe quer dizer e essas palavras são
duras. Sente fundo no coração, como diria um texto de
telenovela. Ele vai ao banheiro lavar o rosto após argumentar de várias formas
possíveis, mas já era decidido: Sua Mãe exigira que Pedro acabasse com suas
atividades de vagabundice imediatamente. Nada de noites regadas a vinho,
cerveja e vodcar ruim, nada de ler Charles Bukowski, Alan Moore e Frank Miller.
E o que sobra para um jovem de 25 anos?
A Mãe
sai para trabalhar. Pedro vai para o quintal do sítio alimentar a Vaca, a única
amiga de Pedro neste momento. Ele tem também um Bode Velho que fica ao lado do
túmulos dos Samurais mas não serve para nada. Todas as noites Pedro alimenta a
vaca com uísque, que no outro dia dá leite alucinógeno de baixo teor que os
malucos da região vêm para beber e fazer farra com o animal mamífero,
artiodáctilo e ruminante. Pedro é o gigolô de sua Vaca. O sítio fica ao lado de
um enorme canavial, os malucos saem de lá, bebem o leite e fodem a Vaca. Pedro
tem que pode ser chamado de puteiro animal com uma empregada.
Esta
noite está fraca, apenas dois caras vão rapidamente. Pedro está guardando a
Vaca no cercado quando aparece um cara de cabelo não definido entre o crespo e
o liso cheio de fungos verdes que nascem pequenos cogumelos cor de abóbora
chamado Boca Santa.
-
Quando é a fodida na Vaca?
- Já
encerramos hoje.
- Por
quê? A vaca está aí.
- 10,
meia hora.
- 10?
Putz. Eu não tenho dinheiro.
- E
esse cogumelo que nasce do teu cabelo?
- Cada
cogumelo desse dá pra comprar duas vacas dessa.
- E o
quê você tem pra dar em troca? Você não quer foder minha vaquinha de graça?
Boca
Santa tira duas sementes enormes de dentro da bolsa.
- Pra
quê eu quero caroço?
- Uma
dessas sementes é de cânhamo e a outra de papoula. Você pode evoluir de um
gigolô de vaca pra um pequeno traficante. Fácil, fácil.
- E
qual é a de papoula?
- Sei
não. Vai ou não.
- As
duas?
- Uma
delas.
- Tá.
Boca
Santa dá uma das sementes para Pedro, e como o título deste conto sugere, sem
surpresas, você já sabe que semente ele tem. Boca Santa mete na Vaca com muita
vontade, goza rapidamente e depois volta para o canavial.
Pedro
com a grande semente nas mãos, recolhe a Vaca. Senta em frente ao curral. Deixa
a semente no chão. Pensa um pouco sobre o que fazer para sua mãe não lhe encher
e quando percebe o Bode Velho engoliu a semente. Pedro, grita, xinga, aperta a
garganta do bicho para que cuspa seu futuro de pequeno traficante. O Bode Velho
reluta e morre engasgado, uma pena. Pedro o chuta por três minutos sem
interrupção. Quem sabe poderia pegar uma faca e abrir sua garganta? Pedro não
tem coragem, o enterra ao lado dos seus ancestrais.
Não
demora muito a cabeça do Bode Velho está para fora. Pedro a enterra novamente e
novamente a cabeça está para fora da terra, agora com pequenas folhas saídas de
sua testa. O jovem pega esterco recém-produzido, aduba a cabeça do animal
morto, rega e reza.
A reza
trás de volta as Almas dos três Samurais, ancestrais e Pedro e a alma do Bode
Velho. Pedro cai para trás. Primeira cara de perplexidade de Pedro.
- Você
é uma vergonha! – grita um dos Samurais.
- Você
não é nosso descendente! – grita outro.
- Você
cobra muito barato pela Vaca! – grita o terceiro – Faz tempo que eu quero dizer
isso.
- Pô,
meu – diz Pedro – Olha o fim de mundo que vocês trouxeram nossa família. Não
tem nada pra se fazer aqui. Ou eu corto cana ou eu fodo com a Vaca. O culpado
são vocês. Vocês nos foderam.
- Será?
-
Talvez nós fizemos isso com eles?
- Eu só
peço pra vocês que deixem essa planta crescer, me tornar um pequeno traficante.
O quê que tem? Não tem nada.
A alma
do Bode Velho abre a boca tão grande quanto de uma casa e abocanha por inteiro
os três Samurais, se torna um pequeno redemoinho e entra dentro da cabeça do
Bode já apodrecendo na terra com folhas saindo de sua cabeça. O chão treme...
treme... treme. A cabeça explode quatro vezes, pedaços para todos os lados de
carne podre, crânio e bosta.
Cresce
um enorme e magnífico PÉ DE MACONHA. Segunda cara de perplexidade de Pedro.
- Que
maravilha... minha mãe vai me matar...
Mais um
motivo para este pensamento de Pedro, uma das raízes da gigante planta destrói
por completo a casa simples e aconchegante. A única coisa que sobra no terreno
é o Bode Velho.
- Agora
sim, você se fodeu, Pedro – diz o Mosquito Vermelho.
Pedro
sobe rapidamente pelo Pé para fugir da mãe antes mesmo dela chegar. Um grande
Pé de Maconha como este não pode passar despercebido pela cidade.
Quando
amanhece e todos os homens e mulheres escravos do capital acordam para
trabalhar, todos ficam surpresos, mesmo alguns não sabendo o que aquela planta
é. Mas a noticia se espalha. Primeiro os pequenos traficantes locais chegam
antes e discutem entre si como faturar com a planta. A polícia cerca o sítio
antes mesmo que ação seja feita. Os políticos estão juntos. A mídia também. A
mãe de Pedro furiosa vê sua casa totalmente arruinada.
-
Peeedrooooo! - claro que ela grita.
- Já
era minha vida – diz Pedro num dos galhos mais altos do pé.
- Por
que você não desce e enfrenta a sua mãe...
Pedro
mata o Mosquito Vermelho com um só golpe. Com mais medo de que sua mãe suba no
Pé atrás dele, o jovem vai até o topo da gigantesca planta. Lá, enquanto
descansa, vê um balão se aproximando rapidamente e pousando ao seu lado. Do
cesto do balão desce Lagartixa, o homem mais estranho que Pedro já tinha visto,
magro, cabeludo, baixo, meio caipira. Ele veio ver a planta de perto, algo que
nunca teria imaginado.
-
Maaaasssa, véiooo.
- Tão
massa que essa porra arruinou a minha vida.
-
Quando eu vi na TV achei que era efeito especial.
- Essa
porra tá na TV?
- Véio,
tá vindo gente do país inteiro ver esse Pé. Eu vim pegar um pedaço da folha e
colocar na minha parede como recordação porque isso vai se tornar uma relíquia.
-
Relíquia?
- Você
acha que esse Pé vai durar muito? Você acha que isso vai durar pra sempre? Vão
derrubar essa porra e você vai cair junto de não se mandar.
- Deixa
eu ir com você?
- Putz,
véio. Só cabe eu e a folha.
Lagartixa
corta um grande pedaço de uma das folhas mais próxima deles, coloca no cesto e
vai embora. Pedro está sozinho novamente, aliás, como ele sempre esteve.
O Pé
não fica parado, ele cresce mais, cresce até as nuvens. Com o tempo, multidões
se formam em volta dele. Curiosos, místicos, vagabundos loucos, apreciadores da
erva loucos para fumar e claro os
Conservadores. Aqueles homens e mulheres sacanas que fodem a criatividade e
ações dos outros, eles empunham cartazes contra o Pé. O quê o Pé fez contra
eles mesmo? Aquele exemplar não é uma simples planta, é a maior do mundo, uma
espécie que talvez nunca mais possa existir. Um belo argumento dos cientistas,
mas os Conservadores gritam e babam como cães no mês de Agosto contra o Pé.
- Ô
vidinha chata essa minha – ele zomba e ri, sossegado lá em cima. Mesmo com
fome. Mesmo pensando em mascar um pedaço de folha.
Vidinha
que será mais emocionante agora que os Conservadores, obstinados em explodir o
Pé, de tanto gritar que a existência de tal planta gigantesca, que pode ser
vista do espaço como a Muralha da China, é uma apologia às drogas, precisa ser
destruída e é isso que acontece. Os adoradores da maconha ficam putos, mas a
polícia está do lado da lei de alguns e conseguem acabar com a passeata Pró-Pé
e especialistas colocam explosivos em volta da planta.
Pedro
está ali, sem saber de nada. Cansado de não fazer nada, sobe até o topo do Pé
de Maconha novamente, um lugar quase sem oxigênio, quase desmaiando ele escuta
uma voz feminina, doce e sedutora, uma mulher negra, careca, nua, envolta em
uma linda, colorida e brilhante nebulosa.
- Uau.
Você também veio pegar uma folha?
- Não, vim te pegar.
- Pra
quê? Se eu descer minha mãe me mata por causa dessa confusão. Peraí, você é um
anjo?
- Não.
- É o
diabo?
- Não.
- Você
é o que então?
- Uma
mulher bonita no meio de uma nebulosa.
- Fala
a verdade vai.
- Tá
bom, tá bom. Eu vim pegar uma folha dessas. Como você acha que eu mantenho essa
nebulosa? Aí eu te vi, te achei bonitinho e quero te levar pra casa. Tem algo
errado nisso?
- Ah,
não.
Pedro
entra na nebulosa brilhante e colorida e vai para longe. Longe do Pé de Maconha,
de sua Mãe, dos Conservadores e das Bombas.
Os
Conservadores, sempre precipitados, apertam o botão vermelho e uma grande
explosão desloca o ar e faz tremer o chão. Todo o Pé de Maconha vai para os
ares literalmente, queimado, em bilhões de pedaços. E esses pedaços de maconha
caem como chuva por toda a cidade. Todos podem levar um pedaço para casa.
Ilegalmente, claro.
(Gilberto Caetano)
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