com alguns palpites de Thais S.
Dentro de uma casa comum, pequena e frágil estão dois namorados: GUSTAVO, escrevendo no computador na sala de estar, e MARINA, preparando o almoço na cozinha. Um casal de 24 anos cada, apaixonados. Ela vai para a sala de estar iniciar um diálogo corriqueiro.
- O que você está fazendo?
- Escrevendo diálogos – ele responde sem lhe dar muita atenção.
- Pra quê?
- É um roteiro e para se fazer um roteiro precisa de diálogos.
- Não necessariamente se for um filme mudo.
- Mesmo assim tem a placas – Gustavo fala ainda concentrado no monitor.
- Mas são poucas.
- O quê você estava fazendo, querida?
- Fritando frango para o almoço.
- Então por que você não continua?
Silêncio. Frango demora muito para fritar no óleo. Marina fica impaciente. Ele tenta se concentrar para o roteiro. Ela grita da cozinha:
- Sobre o quê é o diálogo?
- Sobre um casal conversando – ele pára de escrever.
- Sobre o quê?
- Sobre um casal conversando... cacete...
- Eu ouvi o cacete, viu? – Marina fala voltando para a sala e continua – Onde é a conversa?
- Em uma casa. Comum, pequena e frágil.
- Sobre o quê esse casal conversa?
- Sobre como se frita um frango.
- Que ridículo!! – Marina diz rindo.
Gustavo fica levemente irritado. Pára de escrever, encara a parceira querendo enforcá-la.
- Então eles conversam sobre o quê, Marina?
- Sobre filmes. Ela fala sobre os filmes que gosta e ele dos filmes que ele gosta e discutem como gostam de filmes ridículos.
- Vai fritar o frango, querida.
- Esse seu roteiro de curta-metragem... é um curta ou um longa?
- Curta.
- Este é o roteiro do pior curta-metragem que você já escreveu.
- Senta aqui e escreve pra mim, Marina!
- Escreve sobre as Mensagens Subliminares dos filmes da Disney.
- Quem se importa com isso?
- Quem se importa com um casal falando sobre como se frita um frango? Qual é o título?
- É provisório.
- Qual é o título, Gustavo?
- “frango frito”.
- O quê? Fala alto.
- “Frango Frito”.
Ela cai em uma gargalhada gostosa por quase um minuto.
- É... isso tá uma merda.
- É, Gustavo. Tá uma merda.
- É.
Um permanece olhando para o rosto do outro. Gustavo está estático. Definitivamente “Frango Frito” não é uma boa história.
Marina insiste:
- Escreve um roteiro sobre um casal que está em uma casa, como a minha, e... é um suspense. Tem um ladrão na casa e o casal fica caçando esse ladrão e o ladrão fica atrás deles também. O quê você acha?
- Eu vou deixar de escrever roteiros.
- Por quê? Minha idéia é boa. Além do que, essa é a única merda que você sabe fazer.
- Isso magoa, amor.
- Minha idéia é boa. Escreve. Mata a namorada no chuveiro como em “Psicose”.
- Talvez deveria matar com um pedaço de osso como em “2001”.
- Não! Como em “Psicose”.
- Isso não tem nada de original!
- Nada do quê você escreve é original mesmo.
- É a segunda vez que você me magoa, Marina. Eu não quero mais você. Você não me ajuda em nada!
- Foda-se – ela grita.
- Foda-se?
- É. Foda-se. Você, teu roteiro, tua falta de criatividade e tua mãe.
Ele levanta da cadeira rapidamente agindo como um verdadeiro macho.
- Minha mãe não!!
- Eu odeio a tua mãe.
- Como odeia a minha mãe?
- Tu é surdo? Idiota? Fica me repetindo! QUE CARA CHATO!!!
- E o que você odeia na minha mãe?
- Ela não te abortou.
Silêncio após a piadinha sem graça.
Mais silêncio.
Casal sem assunto.
Nem se olham.
Isso está chato.
- Tá a fim de transar? – Marina quase implora.
- Só se você me chupar – Gustavo diz com um sorriso safado.
- Me chupa primeiro.
- Fazemos um 69... Não. Isso me dá náuseas – ele diz.
- Náuseas? Minha xoxota te deixa com náuseas?!?
- Sim e não. Eu fico com o meu nariz na tua bunda nesta posição e eu não gosto disso.
PLAFT. Tapa no rosto dele.
- Sai da minha casa – ela grita.
Gustavo abaixa a cabeça, sai de perto dela. Põe as mãos no bolso. Fica parado na porta esperando que ela o chame ou se arrependa, tenha qualquer reação positiva.
- O frango frito tá pronto, Marina?
Ela vai para a cozinha, mexe um pouco os pedaços com a espumadeira.
- Tá pronto.
- Posso comer antes de ir?
- Pode.
Ela coloca os pedaços em uma grande tigela de porcelana, sobre guardanapos para absorver o óleo. Depois de esfriar um pouco Gustavo pega um pequeno pedaço. O come.
- Esse frango me lembra você – ele diz.
- Como? Gostosa?
- Sem graça. Sem gosto. Mas bom de comer. Não tenho muitas opções de comida.
BBBAAAAMMMMM. Ela atira na perna dele.
- AAAAAARRGH!!! DA ONDE VOCÊ TIROU ESSA ARMA!!
- Do rabo do frango.
BAM. Atira no saco dele.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRGH!!! DOEU!!!!!
BAM. Atira no pinto dele.
- PORRA!!!! QUE MIRA DO CARALHO!!!!!
BAM. Ela atira na cabeça dele.
- Morreu, canalha?
- ...Q-Quase...
Bam. Bam. E Bam. Acabam as balas.
- E AGORA? MORREU???
- ...n-não...
Marina furiosa pega um Facão – bem afiado por sinal – e o retalha em 450 pedaços.
- MORREU?????
A mão dele decepado faz um gesto de não e ainda mostra o dedo anular.
Ela pega os 450 pedaços do que era Gustavo, os coloca em um grande caldeirão, joga o óleo que usou no frango e mais todo o óleo que tinha em casa e o frita.
A campainha toca. Ela atende. É uma de suas amigas. Jaqueline. Se cumprimentam beijando no rosto e se abraçando. Uma amizade carinhosa como se nota.
- Desculpa chegar sem avisar, Marina...
- Que nada! Você pode me ajudara arrumar a cozinha antes do almoço.
- Sem problema. Cadê o seu namorado?
- Sumiu.
- Legal. Humm. Que cheiro bom é esse?
- Frango frito – Marina fala orgulhosa de seus dotes culinários.
(Gilberto Caetano)